Introdução
Durante as aulas , temos estado diante da reflexão de autores e textos que retratam o panorama histórico onde se desenvolveu o pensamento filosófico medieval, acredito que observamos, como eles apresentam aspectos controvertidos e por vezes assustadores .
Diante do que verificamos , retomo apenas este panorama e contexto histórico para refletir-mos sobre as idéias do protagonista deste trabalho , quero citar ,sem necessariamente aprofundar, três características que parecem ter sido comuns às várias tendências da filosofia medieval e que contrastam com o pensamento antigo e moderno dando-lhe características especificas :
1) a estreita relação entre filosofia e religião, isto é, entre filosofia e teologia, que foi sintetizada na frase - philosophia ancilla theologiae (a filosofia é serva da filosofia);
2) a influência de Aristóteles em todos os campos (lógica, ética, filosofia natural e metafísica), como fator decisivo na formação do pensamento medieval;
3) a unidade de método (a questio e a disputatio), que é, ao mesmo tempo, método de exposição e de investigação.
O desenvolvimento do conhecimento durante esse período, conta com particularidades diversas que se afasta daquela perspectiva que a define como a “idade das trevas” como é amplamente conhecido. Contudo, a predominância dos valores religiosos e as demais condições específicas fazem do período medieval muito singular em relação aos demais períodos históricos. Nesse sentido, o expressivo monopólio intelectual exercido pela Igreja vai estabelecer uma cultura de traço fortemente teocêntrico. È neste contexto que aparece o joaquimismo , termo utilizado para descrever as idéias do Monge Cisterciense Joaquim de Fiore[1] da região da Calábria.
Quem foi Joaquim de Fiore ?
Segundo a historiadora Rossato (2004) “Joaquim de Fiore foi poeta, artista e visionário” também considerado um místico, teólogo e filósofo da história, foi o fundador da ordem monástica de San Giovanni em Fiore , monge nascido no ano de 1130 (ou 1135) na região da Calábria gozava já durante a sua permanência na Ordem de Cister de uma fama de “homem santo” e de idéias bastante controversas , foi por esse prestigio que não demorou muito para que abandonasse a congregação e criasse sua própria Ordem (Delumeau , 1997). Suas idéias se baseavam principalmente na sua teoria dos tempos da cristandade : três idades (quadro 1) do mundo correspondentes à trindade do cristianismo , o tempo do Pai que teria começado antes da graça com Adão , teve seu apogeu com Abraão e terminou com o nascimento de Cristo , o tempo do Filho que é o da graça , inicia-se com o Rei Orzias , floresce com João Batista e Jesus e estaria próximo do fim , e o último dos tempos o do Espírito Santo que seria o da graça maior , teria começado com São Bento e frutificaria em breve com o retorno de Elias e terminaria com o Juízo Final. Segundo Rossato (2004) é importante ressaltar que no sentido radical das palavras Joaquim de Fiore não é milenarista por que não fala sobre a duração deste último período e nem é messianista pois não fala sobre a volta do messias , estes conceitos mudam constantemente na sua migração e são reinterpretados a cada nova escala da expansão do seu pensamento e seguidores “joaquimismo”. Fiore fala sobre “um período de descanso da terra” que o vai caracterizar como místico e foco de contestações ao ser citado postumamente (Delumeau, 1997) .
As suas colocações têm merecido, ao longo dos séculos, o estudo de dezenas de acadêmicos e de teólogos. Um exemplo recente é que em 1982 foi criado, na Itália, o Centro Internacional de Estudos Joaquimitas e nas Irmandades do Divino Espírito Santo, nos Açores e em comunidades açorianas no continente americano encontramos, atualmente, um reduto destas idéias.
O joaquimismo[2] apresenta uma maior dificuldade de se pesquisar em português, mas o que se publicaram , basicamente, nos esclarece que suas raízes estão nos textos bíblicos e no Torá e a partir desta informação foi que entramos no campo específico do interesse das religiões . Se ponderarmos que o judaísmo e o cristianismo são as duas religiões predominantes na formação do ocidente, e tem suas divisões do mesmo tronco teológico com crenças predispostas ao milenarismo e ao messianismo fica mais claro o impacto do pensamento também na nossa cultura. Para ambos “o mito escatológico (....) se diferencia dos demais pela pregação de uma purificação e não de uma nova concepção , e este paraíso devolvido não terá mais fim “. O tempo circular da eterna destruição reconstrução dá lugar ao tempo linear sem repetições . Além do mais se insere o componente messiânico articulado com o fim do mundo e a chegada do paraíso. Sobre este aspecto é preciso distinguir entre o que o mistico calabrês disse e a sua "posteridade" entendeu , e como foram traçados itinerários filosóficos e religiosos que chegam até aos nossos dias ligados a pensamentos religiosas . O Padre de Lubac que procurou estudar as pegadas do joaquinismo no decurso dos séculos, afirma que "a história da posteridade espiritual de Joaquim é também, e na maior parte, a história das traições ao seu pensamento" . Em 1263, no Sínodo de Aries, a Igreja Católica Romana julgou parte das suas doutrinas como hereges e recentemente fez menção ao seu VII centenário de sua morte . (anexo )
Quadro 1
Resumo : Teoria das três idades
O fundamento místico da doutrina de Joaquim de Fiore é a do "Evangelho Eterno", fundado na interpretação do texto em Apocalipse 14:6.
Suas teorias podem ser consideradas milenares , ele acreditava que a história, por analogia com a Trindade , foi dividida em três épocas fundamentais:
§ A Idade do Pai, que corresponde ao Antigo Testamento , que se caracteriza pela obediência da humanidade com as Regras de Deus;
§ A Idade do Filho, entre o advento de Cristo e 1260, representado pelo Novo Testamento , quando o homem tornou-se filho de Deus;
§ A Era do Espírito Santo, iminente (em 1260), quando a humanidade estava a entrar em contato direto com Deus, alcançando a total liberdade pregada pela mensagem cristã. O Reino do Espírito Santo, uma nova dispensação do amor universal, de proceder a partir do Evangelho de Cristo, mas transcende a letra dela. Nesta nova era da organização eclesiástica seria substituído ea Ordem da Just iria governar a Igreja. Esta Ordem dos Justos foi mais tarde identificado com o franciscano ordenar por seu seguidor Gerardo de Borgo San Donino .
De acordo com Joaquim, somente nesta terceira idade será possível entender realmente as palavras de Deus no seu significado mais profundo, e não apenas literalmente. Ele concluiu que esta era começaria em 1260 baseado no livro do Apocalipse (versículos 11:3 e 6, que menciona "um mil duzentos e sessenta dias"). Neste ano, em vez da parusia ( segundo advento de Cristo), uma nova época de paz e concórdia começaria, tornando a hierarquia da Igreja desnecessários.Joaquim distinguir entre o "reino de justiça" ou de "lei", em uma sociedade imperfeita, e o "reino da liberdade" em uma sociedade perfeita .
Conclusão
No centro da herança visionária de Joaquim de Fiore, encontramos a idéia de uma "fase final" da História, uma época vindoura de fraternidade e de plena liberdade para o ser humano. O apogeu da história será sinalizado pelo aumento da espiritualidade no mundo, um tempo do intelecto e da ciência.
Bibliografia
DELUMEAU , Jean , Mil anos de felicidade , uma história do paraíso , São Paulo , Companhia das Letras , 1997.
FALBEL, Nachman. Heresias medievais. São Paulo: Perspectiva, 1999.
ROSSATO, Noeli Dutra. Joaquim de Fiori: Trindade e Nova Era. Porto Alegre: Edipucrs, 2004.
(Coleção Filosofia, 173).
Sites
http://books.google.com.br/books?id=Z5coUlw1W0cC&pg=PA39&dq=Joaquim+DI+Fiori+-+Trindade+e+Nova+Era+-Rossato,+Noeli+Dutra&source=gbs_toc_r&cad=5#v=onepage&q&f=false
www.abrem.org.br
ABREM, Associação Brasileira de Estudos Medievais
Anexo
CARTA DO CARDEAL AO ARCEBISPO DE
COSENÇA-BISIGNANO, D. GIUSEPPE AGOSTINO
POR OCASIÃO DO VIII CENTENÁRIO
DA MORTE DE JOAQUIM DE FIORE
COSENÇA-BISIGNANO, D. GIUSEPPE AGOSTINO
POR OCASIÃO DO VIII CENTENÁRIO
DA MORTE DE JOAQUIM DE FIORE
Excelência Reverendíssima
A Arquidiocese de Cosença-Bisignano, confiada aos seus cuidados pastorais, prepara-se para celebrar o VIII centenário da piedosa morte do Abade Joaquim de Fiore, que ofereceu à sua terra de origem e a toda a Igreja um singular testemunho de fé. Tendo sido informado desta iniciativa, o Santo Padre desejar unir-se espiritualmente à acção de graças ao Senhor, da parte de todos, pelo dom que Ele concedeu à Igreja na pessoa deste sacerdote humilde e piedoso, enquanto formula votos a fim de que as celebrações centenárias suscitem nos fiéis dessa Arquidiocese e de toda a Calábria um apego mais consciente às suas próprias raízes cristãs, em ordem a uma renovado impulso de fidelidade a Cristo e de amor aos irmãos.
No dia 30 de Março de 1202, no convento de São Martinho de Canal, Joaquim, Abade de Fiore, terminava a peregrinação da sua própria existência sobre a terra. Comentando este acontecimento, Luca de Casamari, outrora Arcebispo de Cosença, escrevia que no sábado em que se cantava oSitientes lhe foi concedido - chegando ao verdadeiro sábado - apressar-se como um cervo até junto das fontes das águas (cf. Memorie, pág. 192).
Joaquim nasceu na localidade de Celino, na Calábria, por volta do ano de 1135 e, depois de ter sido ordenado sacerdote, com cerca de 35 anos de idade entrou primeiro no mosteiro cisterciense de Santa Maria da Sambucina, nos arredores de Luzzi, e depois no mosteiro de Corazzo, tornando-se o Abade do mesmo já no ano de 1177. Desempenhando esta função, de 1182 a 1183 foi a Casamari e ali permaneceu cerca de um ano e meio. O período passado nesse mosteiro permitiu-lhe trabalhar na redacção das suas obras principais. Logo que regressou a Fiore, deu vida a uma nova família monástica, cujas Constituições foram perdidas e hoje não se encontram.
Em virtude dos seus encargos e das suas inúmeras competências, Joaquim teve que empreender numerosos contactos com a Sé Apostólica. No mês de Maio de 1184 encontramo-lo em Veroli, com o Papa Lúcio III e a Cúria. Alguns anos mais tarde, vemo-lo em Roma, com o Papa Clemente III e, em 25 de Agosto de 1196, obtém do Pontífice Celestino III a Carta selada Cum in nostra,mediante a qual é aprovada a família monástica por ele mesmo fundada.
É verdade que, em seguida, o Concílio Lateranense IV teve de corrigir determinados aspectos da sua doutrina trinitária e que a sua doutrina do ritmo trinitário da história criou graves problemas na primeira fase da história franciscana; todavia, o próprio Concílio Lateranense IV defendeu a sua integridade pessoal, comprovada através da sua carta escrita ao Papa Inocêncio III ("Protestatio") e do seu Comentário ao Apocalipse. Entre os seus leitores e apreciadores, Joaquim contou com o Papa Inocêncio III, que várias vezes quis citá-lo nos seus documentos. O Abade de Fiore professou sempre a fidelidade e a obediência à Sé de Pedro, à qual submeteu com humildade as suas próprias obras. No Comentário ao Apocalipse, assim expõe o motivo deste seu comportamento: se São Paulo "transmitiu os seus escritos aos apóstolos que o precediam, na dúvida de correr ou de ter corrido em vão (cf. Gl 2, 2), com maior razão eu, que nada sou, não desejo ser juiz de mim mesmo, mas deve sê-lo sobretudo o Sumo Pontífice, que julga todos e ele próprio não é julgado por ninguém" (fol. 224 ra-b). Estas afirmações foram novamente propostas também na Epístola do prólogo, que é considerada como o seu "testamento".
Tanto nos seus escritos como na sua vida terrena, Joaquim manifesta-se como uma pessoa inebriada de Deus, um apóstolo ardente de zelo, um pregador apaixonado. Ele foi um homem da Palavra. A sua obra exegética - apesar dos problemas que ela apresenta - merece um estudo atento e pode constituir uma fonte de conhecimentos úteis, inclusivamente em virtude do seu espírito ecuménico.
Da contínua meditação da Palavra revelada, Joaquim tirou a energia espiritual para indicar aos homens os caminhos de Deus. O seu biógrafo recorda que "no tempo da ira, como outro Jeremias, Joaquim fez-se reconciliação, intercedendo sobretudo em benefício dos pobres" (Vita, pág. 190). Ele não teve medo de enfrentar com o rosto descoberto os poderosos da terra, como o imperador Henrique VI, a quem convidou a renunciar ao seu comportamento indigno, se não quisesse padecer a ira divina (cf. ibid., pág. 189). Além disso, mostrou determinação também em relação à imperatriz Constança (cf. Memorie, pág. 195).
Joaquim, que considerava o amor à Palavra de Deus como a finalidade e a paixão da sua existência, recorda ao homem contemporâneo, inundado de palavras e com frequência fascinado por pseudovalores, que "uma só coisa é necessária" (Lc 10, 42), e que é preciso viver de "toda a palavra que sai da boca de Deus" (Mt 4, 4). Além disso, testemunha que as sagradas Escrituras devem ser lidas com a Igreja e no interior da Igreja, "acreditando integralmente naquilo que ela crê, aceitando as suas emendas tanto em relação à fé como no que diz respeito aos costumes, rejeitando o que ela nega, acolhendo aquilo que ela aceita e acreditando firmemente que as portas do inferno não podem prevalecer contra ela" (Epístola do prólogo).
Ele tinha grande consideração pela oração e a contemplação, vividas no silêncio e na tranquilidade, na busca constante de Deus, o "Pai das luzes, em quem não há fases nem períodos de mudança" (Tg 1, 17). A sua experiência singular constitui para o crente do nosso tempo uma poderosa exortação a não ter medo da solidão, mas a constelar a sua existência com momentos de recolhimento e de oração, para voltar a descobrir no encontro com Deus a possibilidade de uma existência mais completa e mais autêntica.
O Abade de Fiore viveu em grande pobreza e considerou a posse de Deus como a sua única verdadeira riqueza. Indiferente ao prestígio que lhe chegava do seu cargo e da estima dos poderosos do seu tempo, teve sempre uma atitude humilde e foi tenaz e alegre imitador do Filho de Deus que, rico como era, se fez pobre por nós (cf. 2 Cor 8, 9), a ponto de não ter onde repousar a cabeça (cf. Mt 8, 20). A sua referência contínua a Cristo, "manso e humilde de coração" (cf. Mt11, 29) é recordada pelo Arcebispo D. Luca de Casamari que, descrevendo como o Abade ia frequentemente limpar "com as suas próprias mãos toda a enfermaria" (Memorie, pág. 195), acrescenta: "Admirava-me que um homem de tanta fama, cuja palavra era tão eficaz, trouxesse vestes tão velhas e usadas, parcialmente rotas nas franjas" (Ibid., pág. 191). Esta peculiar aspiração à pobreza e ao recolhimento faz de Joaquim uma poderosa exortação a considerar os valores perenes do Evangelho, como o melhor modo oferecido aos homens de todos os tempos, para edificar um mundo mais justo, fraterno e solidário.
Considerando os testemunhos de virtude autenticamente cristãos, oferecidos pelo Abade de Fiore, o Sumo Pontífice formula bons votos a fim de que esta celebração do VIII Centenário da morte de Joaquim constitua para a Arquidiocese de Cosença-Bisignano - sua terra natal, que conserva também os seus restos mortais - assim como para o Povo de Deus que vive na Calábria, uma preciosa ocasião de reflexão e de edificação espiritual. Com estes votos, Sua Santidade envia uma especial Bênção Apostólica a Vossa Excelência Reverendíssima, aos fiéis da Arquidiocese de Cosença-Bisignano e a quantos, animados por um sincero desejo de verdade, se aproximarem da figura deste insigne filho da Calábria durante as celebrações jubilares.
Uno os meus votos pessoais de pleno êxito das celebrações programadas, enquanto aproveito este ensejo para me confirmar com expressões de distinto respeito.
De Vossa Excelência Reverendíssima dev.mo
Card. ANGELO SODANO Secretário de Estado
[1] Fiore também soletrado Floris, do italiano Gioacchino Da Fiore existem várias grafias para o mesmo nome adotarei no decorrer deste trabalho o Joaquim de Fiore
[2] Sobre o joaquinismo a bibliografia é abundante em italiano. Cfr. os numerosos estudos dedicados por Mons. Giovanni DI NAPOLI ao abade calabrês: "La teologia trinitaria di Gioacchino da Fiore", in Divinitas, n° 3 (Outubro de 1976); id., "L'ecclesiologia di Gioacchino da Fiore", in Doctor communis, n° 3 (Setembro-Dezembro 1979); id., "Teologia e storia in Gioacchino", in "Storia e messaggio in Gioacchino da Fiore", Actas do Congresso Internacional de Estudos Joaquimitas (19-23 de Setembro de 1979), Centro di Studi Gioachimiti, S. Giovanni in Fiore, 1980, pp. 71-150. Cfr. também Marjorie REEVES, Beatrice HIRSCH-REICH, "The Figure of Joachim of Fiore", Clarendon Press, Oxford, 1972; Delno C. WEST e Sandra ZIMDARS-SWARTZ, "Joachim of Fiore: a Study in Perception and History", Indiana University Press, Bloomigton, 1983; Bernard McGINN, "L'abate calabrese Gioacchino da Fiore nella storia del pensiero occidentale", tr. it. Marietti, Génova, 1990.
Bom texto!
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