quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Desdobramento da igreja evangélica no Brasil

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA

UNIVERSIDADE DE SOROCABA



PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA










Argemiro Rodrigues de Sousa











Comunicação Organizacional

O uso da imagem como agente de transformação e ferramenta de treinamento de operários

(Análise de vídeos utilizados em um Grupo Empresarial)















Sorocaba/SP

2009



terça-feira, 7 de setembro de 2010

Renascimento :Michelangelo, o artista do cristianismo


Michelangelo, o artista do cristianismo

Perfil do escultor, arquiteto, pintor e erudito.

Os contemporâneos em Florença o chamavam II Divino. Por certo ele encarnou o ideal do artista do Renascimento, de que foi a figura máxima: escultor, arquiteto, pintor e erudito.

Por Mônica Falcone, de Roma

O escritor Umberto Eco, autor do best seller O nome da rosa, em entrevista recente explicou de modo simples e eloqüente o que é a sede de cultura que faz com que muitas pessoas passem horas a ler Balzac ou Platão ou enfrentem filas quilométricas para ver os afrescos restaurados de Michelangelo, na Capela Sistina, no Vaticano, ou uma viagem exaustiva ao Egito para visitar o templo de Abu Simbel, construído por Ramsés 11 para a rainha Nefertari, a mais de 1000 quilômetros do Cairo. Esta sede de conhecimento, segundo Eco, é um modo de prolongar a vida. Assim, ao morrer, teremos como que vivido não só a nossa existência, mas também a do imperador romano Júlio César, se tivermos lido De bello gallico; ou a de Julian Sorel, o herói do romance O vermelho e o negro do escritor francês Stendhal; ou ainda a de Michelangelo, se tivermos observado com quanta doçura, força e juventude, ele, órfão de mãe ainda menino, concebeu as pietàs, ou o erotismo que, homossexual não assumido, imprimiu nas esculturas masculinas.Numa poesia, Michelangelo escreveu que "a beleza da terra ao céu em vida conduz". Costumava dizer que essa idéia de beleza Ihe havia sido dada no parto. Sua arte e sua vida foram a perseguição incansável, quase angustiada, dessa idéia de Beleza Absoluta. Filho de uma família burguesa de cultura média, mas sem grandes horizontes, Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni nasceu em Caprese, em 6 de março de 1475. Ainda recém-nascido, seus pais, Francesca e Lodovico di Lionardo Buonarroti Simoni, este descendente de duas gerações de banqueiros e prefeito de sua cidade, foram viver em Florença. A bela cidade toscana, de casas de pedra, cinzenta, cortada pelo Rio Arno, era dominada desde 1469 por Lorenzo de Medici, o Magnífico. De uma estirpe de banqueiros, Lorenzo era o homem mais rico do seu tempo. Poderoso e iluminado, sonhava fazer de Florença a capital mundial da cultura, como foi Atenas na época de Péricles.
Foi um tempo de notáveis realizações artísticas e culturais. Enquanto o pequeno Michelangelo recebia as primeiras lições de leitura e escrita, a poucos quarteirões de sua casa Sandro Botticelli pintava A primavera e O nascimento de Vênus e Leonardo da Vinci terminava a Adoração dos reis magos. Não muito longe, em Urbino, nascia Rafael Sanzio. Aos 13 anos, Michelangelo deixou a escola para se tornar um aprendiz do pintor Domenico Ghirlandaio. Mas gostava mesmo da escultura, para ele "a primeira arte", e foi praticá-la nos jardins de Lorenzo de Medici, com Bertoldo di Giovanni. Desde então, ficou marcado em Florença como um "homem dos Medici", o que, nas vicissitudes da política toscana, às vezes era uma vantagem, às vezes um perigo. Por exemplo, após a morte de Lorenzo, em 1492, e pouco antes da expulsão de seu filho Piero pelo fanático pregador religioso Girolamo Savonarola, Michelangelo retirou-se prudente mente para Bolonha. A morte da mãe, quando tinha 6 anos, marcou sua personalidade e toda sua vida. Entregue a uma ama-seca, na família de um canteiro, um operário que cortava a pedra para construções, ele próprio considerou fundamental para sua vocação de escultor este período em que se misturavam afeto familiar, cuidados maternos e pedra entalhada. Outro fato crucial foi seu encontro com Lorenzo de Medici.
Para o Magnífico, era a oportunidade de glorificar-se como o descobridor de um grande artista e moldá-lo segundo o seu ideal. Convenceu o rapaz a morar no palácio e. como compensação, deu ao pai um bom emprego público. Foi no seu período de aprendizado no palácio que realizou as duas primeiras obras que sobreviveram até os nossos dias. São os baixos-relevos Madona da escada e a Batalha dos centauros. A morte de Lorenzo, em 1492, interrompeu traumaticamente a suave decolagem do jovem artista. Os filhos do Magnífico não tinham a envergadura do pai. Piero, o primogênito, era incapaz e dissoluto. Herdou o domínio de Florença e o perdeu em pouco tempo. Para o segundo, Giovanni, o futuro papa Leão X, Michelangelo iria realizar? 32 anos depois, a Capela dos Medici e as sete magníficas esculturas para os túmulos de Lorenzo e Giuliano, que estão na Igreja de São Lourenço, em Florença.
Para Michelangelo foi um período de desorientação. Ele já havia identificado os seus modelos artísticos, Masaccio, Donateilo e a escultura antiga. mas não tinha trabalho. Não podia voltar para casa, pois o pai nunca aprovou sua escolha profissional. Aproveitou a oportunidade para estudar Anatomia, acumulando noções que depois iriam se materializar nas milagrosas contorções musculares dos corpos de suas estátuas e afrescos. Aprendeu dissecando cadáveres uma atividade ilegal que praticou graças à silenciosa cumplicidade do superior do Convento do Espírito Santo. Retribuiu oferecendo ao superior uma escultura de madeira, um crucifixo que só em 1963 foi reconhecido pela critica como parte de sua obra. A chance de recomeçar a trabalhar veio travestida de um embuste. Um conhecido, comerciante de arte. sugeriu que fizesse uma estátua simulando uma antiguidade romana e Ihe aplicasse uma pátina camada esverdeada que se forma no bronze ou no cobre de objetos antigos para fazer parecer que tivesse sido soterrada.
Aceitou o desafio e em poucos meses esculpiu um Cupido adormecido que, de mão em mão, acabou sendo vendido como antiguidade ao cardeal Riario, em Roma. Grande colecionador, o cardeal não engoliu a alegada antiguidade da obra, mas pagou o preço pedido em troca do nome do autor. Convocado pelo cardeal, o escultor desembarcou em Roma em 1496. Ali, começou a trabalhar para o banqueiro Jacopo Galli. que se tornou seu grande amigo e conselheiro financeiro. Influenciado pelo banqueiro, o cardeal francês Jean Villiers encomendou a Michelangelo a Pietà, que hoje está na Basílica de São Pedro, no Vatïcano, atrás de sólidos vidros que a protegem de atentados como o que quase a destruiu em 1972. Para escolher os modelos para a Pietà, o perfeccionista Michelangelo passou em revista a colônia hebraica de Roma, em busca de genuínas feições judaicas para Cristo e Maria.
De volta a Florença, uma república desde a deposição de Piero e a expulsão dos Medici, foi convocado para realizar a obra que simbolizaria a liberdade conquistada. Ele deveria esculpir um bloco de mármore de mais de 4 metros de altura, recusado por diversos artistas porque, com uma fenda bem no meio. era considerado inutilizável. O tema escolhido foi o personagem bíblico Davi, no momento em que decide combater Golias. A ação aparece na escultura ainda em potencial: o peso do corpo está apoiado na perna direita.cujos músculos estão contraídos pelo esforço, a funda repousa sobre o ombro. o rosto demonstra tensão. Em seus escritos, deixou evidente que aquela figura era uma projeção de si próprio.Por 18 meses, o artista combateu dia e noite com o mármore, para obter dele o que pretendia fosse o símbolo de um sentimento de apego à liberdade. Michelangelo queria "lembrar aos chefes da cidade que deveriam governá-la com justiça". A escultura foi completada em 1504 e a Comuna logo encomendou uma réplica em bronze. Sem dúvida, o artista tinha simpatias pelo novo poder, embora se declarasse cético quanto à política. Quase 25 anos mais tarde, quando o papa se aliou ao imperador da Espanha para destruir a República Florentina, Michelangelo foi nomeado membro do Comitê dos Nove da Milícia Florentina e. mais tarde, governador das fortificações da cidade. Quando a República caiu, em 1530, ele teve de se esconder até que o papa Clemente VII tacitamente o perdoou, fazendo-o voltar ao trabalho na Capela dos Medici. Valeu-lhe, ainda uma vez, a antiga condição de "homem dos Medici", tanto quanto a de artista incomparável.
Enquanto esculpia o Davi, Michelangelo recebeu de um amigo de infância, Agnelo Doni. a encomenda de uma pintura. Seria seu presente de casamento para a esposa Maddalena Strozzi. Michelangelo realizou o que Cesare Brandi um dos mais respeitados críticos de arte da Itália neste século definiu como a pintura mais importante da história da arte. O chamado Tondo Doni é um quadro redondo, com a sagrada família (José, Maria e o menino Jesus) em primeiro plano, São João Batista logo atrás, por detrás de um muro, e no fundo um grupo de nus, no melhor estilo clássico. Segundo Brandi, essa obra inaugurou um novo século na arte. A novidade está no espaço interno da pintura, que não se realiza num plano. mas numa esfera.Criou-se uma nova perspectiva, não mais linear com um ponto de fuga no infinito. O espaço infinito, que Leonardo da Vinci colocava ainda no horizonte, passou para dentro da figura. A perspectiva está dentro de Nossa Senhora, que ao se torcer sobre si mesma, com as pernas dobradas para a direita e o busto girando para a esquerda, mostra o corpo nas três dimensões. É o domínio da terceira dimensão que só um escultor pode ter.
Nessa mesma época fez o afresco da Batalha de Cascina, no Panteão dos Quinhentos, no Palazzo Vecchio. Esse trabalho acirrou sua rivalidade com Leonardo da Vinci, que estava pintando a Batalha de Anghiari na parede em frente. Com a eleição do papa Júlio II, começou para Michelangelo um intenso e torturado relacionamento artístico com o poder eclesiástico. Protetor das artes, esse papa foi mais um chefe de Estado do que chefe religioso. Quando Michelangelo Ihe perguntou se desejava sua estátua de bronze segurando um livro ou uma Bíblia, respondeu arrogante: "Ponha uma espada, pois não sou homem de literaturas". Para Júlio II, ele fez os afrescos da Capela Sistina e vários projetos para seu túmulo, que o papa sonhava tornar conhecido como a oitava maravilha do mundo. Esses projetos resultaram na escultura fenomenal de Moisés, que mereceu um estudo do pai da Psicanálise, Sigmund Freud, e numa permanente dor de cabeça para o artista, infernizado toda a vida pelos herdeiros do papa, que desejavam ver a obra concluída. Para o papa Leão X executou a Capela dos Medici, na Igreja de São Lourenço, em Florença, com sete esculturas. Para o papa Paulo III realizou os afrescos da Capela Paulina e o Juízo Final, na Capela Sistina, e foi encarregado de concluir a Basílica de São Pedro e refazer todo o projeto de sua cúpula.Em abril de 1508, quando iniciou a gigantesca tarefa de pintar os afrescos da Capela Sistina, estava com 33 anos. Quando Júlio II o convocou para essa empreitada, Michelangelo ousou recusar, alegando não ser pintor. Mas, depois de convencido, entregou-se à pintura como se estivesse possuído por um espírito sobrenatural. Irritado com a má qualidade do trabalho dos ajudantes que Ihe deram, dispensou todos e passou a trabalhar sozinho. Pintava o dia inteiro em pé, com as costas e o pescoço curvos para trás. Comia enquanto pintava. À noite desenhava os cartões com as figuras que seriam transferidas para o teto na manhã seguinte. Esgotado, caia na cama sem tirar os sapatos e dormia por poucas horas. Não via ninguém, nem os amigos florentinos que moravam em Roma.Natural que, nesse estado, se irritasse facilmente. O papa perturbava-o com visitas constantes, para perguntar pelo fim das obras. "Estará pronto quando eu acabar",respondia mal-humorado. O relacionamento com os papas, não apenas Júlio II, foi sempre muito difícil porque Michelangelo pretendia tratá-los de igual para igual, atitude impensável na época. Até porque seu trabalho valia tanto quanto o de qualquer outro artesão: sua arte era considerada um prodígio das mãos, não do intelecto. Com Michelangelo esse conceito absurdo começou a dar lugar à idéia do artista intelectual. que trabalha com a sensibilidade. Ainda assim, no embate com os pontífices quase sempre perdia, sendo obrigado a realizar obras que não desejava.Também a vida afetiva do artista era atormentada. Na sua grande produção poética, os únicos versos de grande conteúdo erótico, entre os mais bonitos de sua poesia, são dedicados ao nobre romano Tommaso de Cavalieri. Michelangelo o conheceu em 1532, pouco antes de receber a encomenda do Juízo final, Segundo o crítico Michele Cordaro, a homossexualidade não assumida de Michelangelo era certamente um elemento que tornava difícil seu relacionamento com os outros. E, de fato, em 1623, quase sessenta anos depois de sua morte, quando um sobrinho neto resolveu publicar seus poemas, suprimiu amplos trechos onde ficava evidente o erotismo homossexual. Talvez por causa dessa versão adulterada, apenas recentemente a poesia de Michelangelo começou a ser valorizada.O período em que trabalhou no Juízo Final (1533-1541), foi de grande tensão para a Igreja Católica. O francês Jean Calvino instaurou em Genebra a Reforma protestante, iniciada pelo alemão Martinho Lutero, excomungado quinze anos antes, e Inácio de Loyola fundou a Companhia de Jesus, o exército da Contra-Reforma. O momento histórico e emotivo da vida do artista, o sentimento e a reflexão sobre a morte que o dominavam, transpiram na ira de Deus, no gesto do Cristo judicante, figura central do Juízo Final. Cristo domina a cena de 17 metros de altura por 13 de largura com o braço direito erguido num terrível gesto, implacável, e o esquerdo mantido no ar, numa atitude benévola.Obedecendo a este movimento contestante, os corpos ressuscitados se precipitam de um lado para o abismo e de outro ascendem para a redenção. Depois do Juízo Final, realizou dois afrescos para a Capela Paulina, que encerraram sua carreira de pintor. Ele mesmo anunciou isso em carta ao amigo e biógrafo Giorgio Vasari, afirmando que a pintura não é atividade para velhos. Michelangelo tinha então 75 anos. A partir daí, mesmo a escultura se tornou uma atividade íntima, uma meditação sobre a própria morte.Os últimos trabalhos, como suas últimas pietàs, foram realizados para si mesmo, não eram encomendas. Abandonados o cinzel e a palheta, dedicou seus últimos anos à Arquitetura e à Urbanística, como arquiteto-chefe da construção da Basílica de São Pedro. Redesenhou a Praça do Capitólio, em Roma, criou uma nova escadaria para o edifício central e colocou no centro a estátua eqüestre romana do imperador Marco Aurélio. No fim da vida, realizou urna das suas obras primas como arquiteto, quase um testamento artístico. Transformou as ruínas de uma parte das termas do imperador Diocleciano na Igreja de Santa Maria dos Anjos. Com pouquíssimas mudanças, virou pelo avesso um monumento pagão, transformando-o num verdadeiro monumento cristão.No dia 14 de fevereiro de 1564, pouco antes de completar 89 anos, Michelangelo aparentemente sofreu um derrame. Na tarde do dia 18, o cardeal Salviati administrou-lhe os últimos sacramentos. Poucos amigos estavam ao lado de seu leito. Sua última confissão antes de morrer foi digna da condição de maior artista do Cristianismo. " Eu sinto", disse ao cardeal Salviati, "não ter feito o suficiente para a salvação da minha alma e morrer justamente quando estava começando a aprender o alfabeto da minha profissão".

Para saber mais:
Passagem para o futuro
(SUPER número 2, ano 2)


Restaurar ou não restaurar?

"Eu digo que a pintura me parece tanto melhor quanto mais tende para a escultura e a escultura tanto pior quanto tende para a pintura"Essa frase de Michelangelo foi sempre lembrada pelos críticos de arte tradicionais que contrapunham seu trabalho ao de Ticiano e à pintura veneta. Michelangelo era o herdeiro da tradição florentina, em que dominavam o desenho e a capacidade de dar o senso de plasticidade, de volume, sobre uma superfície plana. A tal ponto que uma das criticas que se fazia a ele era a de ser escultor até quando pintava, criando volumetrias muito pronunciadas e sem valorizar as cores.A essa visão, os críticos opunham Ticiano, o pintor da cor, das atmosferas esfumadas. Para eles, o escândalo da restauração dos afrescos da Capela Sistina (SUPERINTERESSANTE número 2, ano 5) foi a descoberta das cores, por baixo de uma pátina de séculos de fumaça de velas. Os críticos que não aprovam a restauração alegam que ela tirou a "repassada" a seco que o próprio Michelangelo tinha dado para escurecer as cores. Existem provas que contrariam essa teoria. Por exemplo, descobriu-se uma fenda nos afrescos, aberta depois de sua conclusão por Michelangelo. Para consertá-la, usaram se pedacinhos do afresco. Essas casquinhas foram descobertas há pouco e têm as mesmas cores que apareceram nos afrescos, após a restauração.O mais importante é que as cores da Sistina restaurada não são uma novidade na obra de Michelangelo. A gama cromática é a mesma que aparece no Tondo Doni. Têm as mesmas justas posições de cores dissonantes, de verde e amarelo, de vermelho e amarelo, de verde e vermelho, de rosa e verde.Mas essa não foi a única, nem talvez a mais importante, polêmica criada em torno do fantástico trabalho. Em 1559, o zelo contra-reformista do papa Paulo III levou-o a ordenar ao amigo de Michelangelo, Daniele da Volterra, que cobrisse com roupas algumas das figuras nuas do Juízo Final. A Igreja nunca admitiu a tolice do atentado, mas o pobre Volterra pagou em vida o ridículo do trabalho feito: os romanos logo o apelidaram 11 Brachettone (fabricante de calções). A amizade, no entanto, resistiu, e ele acabou realizando o melhor retrato de Michelangelo que se conhece, em bronze, depois de haver preparado uma máscara mortuária do extraordinário mestre.

Renascimento : PASSAGEM PARA O FUTURO

PASSAGEM PARA O FUTURO

Itália, 1400: a revolução comercial cria novas classes, abre as cidades e impõe outra mentalidade. Os efeitos sobre a cultura e a ciência são imediatos e profundos. É a explosão do Renascimento, que lança a semente do mundo moderno

Por José Tadeu Arantes

O olhar mostra segurança. O corpo, uma nudez sem pudor. A musculatura, relaxada, uma anatomia perfeita. A figura toda é uma procura de graça e beleza. A estátua é de um personagem bíblico, Davi, o pastor que virou rei de Israel por volta do ano 1000 a.C. Mas sua forma lembra antes um jovem deus pagão da mitologia grega. A beleza é fortemente idealizada, mas ainda assim indiscutivelmente humana. Sob a rigidez do mármore, há palpitação de vida. Diante do Davi de Michelangelo, esculpido na virada do século XVI não há dúvida de que se está contemplando um mundo diferente do da Idade Média.
De fato, desenhista soberbo, pintor, escultor, arquiteto e poeta, Michelangelo Buonarroti (1475-1564) foi uma das maiores expressões do Renascimento — essa grande convulsão cultural que sacudiu a Europa durante os séculos XV e XVI e abriu caminho aos tempos modernos. Quando Michelangelo terminou a obra, em abril de 1504, o Renascimento já havia completado um século na Itália. Foi, antes de tudo, um poderoso movimento artístico e literário, mas com grandes repercussões na filosofia e nas ciências, no pensamento político, na moda e nos costumes. Seus precursores foram poetas e prosadores italianos como Petrarca (1304-1374) e Boccaccio (1313-1375), pintores como Giotto (1266-1336) e Masaccio (1401-1428).
Por volta do final do século XV, o movimento atravessou os Alpes para atingir a Alemanha, a região que corresponde atualmente à Bélgica e Holanda, e a Suíça. Ramificou-se também pela França, Inglaterra, Espanha e Portugal. Sua força irresistível vinha de profundas transformações econômicas conduzidas por uma nova classe social urbana em ascensão — a burguesia mercantil. Na Itália, esses mercadores haviam enriquecido de maneira fantástica graças ao comércio com o Oriente e traziam consigo uma nova visão de mundo, baseada na valorização da realidade material, em contraste com a religiosidade profunda da Idade Média.
Estabelecendo representações nos países orientais, investindo na construção de navios e no desenvolvimento do transporte terrestre, eles compravam no Oriente, para vender na Europa, matérias-primas, como minerais para tinturas, produtos de luxo, como seda e brocados, e especiarias, como cravo e canela, utilizados na conservação e tempero dos alimentos e na produção de remédios.
O enorme dinheiro acumulado, administrado por novos métodos de contabilidade, era depois multiplicado várias vezes, por meio de atividades bancárias, com empréstimos a juros, e manufatureiras, com a produção de tecidos, mineração, siderurgia e metalurgia.
Com esses recursos econômicos, obtinham ainda dos príncipes governantes a concessão para cobrar tarifas aduaneiras e cunhar moedas. Subordinada à burguesia, surgia também uma nova e numerosa classe de assalariados, que trabalhavam juntos nas primeiras oficinas ou separados, cada qual em sua casa, recebendo dos patrões matérias-primas e ferramentas e entregando-lhes o produto acabado.
Era uma verdadeira revolução na vida européia, com a decadência das fechadas e hierarquizadas corporações de artesãos, que monopolizavam a produção industrial na Idade Média. Também os camponeses autônomos passavam a dedicar parte de seu tempo ao trabalho assalariado pelo sistema doméstico.
Por outro lado, a crescente demanda de alimentos e matérias-primas pelas cidades em expansão levava também a uma transformação na produção agrícola. Esta se voltava cada vez mais para o mercado e, portanto, deixava de ser fechada e auto-suficiente. O lugar de honra na estrutura social, antes ocupado pela nobreza latifundiária, era agora disputado pela burguesia ascendente. Na Itália, a mais ilustre família da nova classe de comerciantes enobrecidos foi a dos Medici, que governou Florença do século XV ao XVII.
Giovanni (1360-1429), o fundador da família, havia enriquecido graças ao comércio com o Oriente e ao monopólio da produção de alumínio, que obteve do papa. Somente no ramo têxtil, empregava mais de 10 mil trabalhadores, distribuídos por 300 indústrias — números para nenhum empresário moderno pôr defeito. Com o dinheiro e uma habilidosa política de casamentos, seus descendentes exerceriam enorme influência em toda a política européia, tornando-se príncipes e papas.
Sob o governo de Cosimo de Medici (1389-1464), filho de Giovanni, e principalmente de Lorenzo, o Magnífico (1449-1492), neto de Cosimo, Florença foi a capital do Renascimento. Arquitetos, escultores e pintores, como Donatello, Brunelleschi, Ghiberti e Filippo Lippi, patrocinados por Cosimo — ou Botticelli, o próprio Michelangelo e Leonardo da Vinci, protegidos por Lorenzo —, davam à corte dos Medici brilho, prestígio e sofisticação incomparáveis, que compensavam em muito as origens plebéias da família. O Renascimento foi também uma época de políticos refinados — e destituídos de escrúpulos.
Homens como Cesare Borgia (1475-1507), filho do papa Alexandre VI, que tentou conquistar toda a Itália para si e fazia da conspiração e assassínio de seus opositores sinistras obras de arte. E Niccoló Machiavelli (1469-1527), o fundador da ciência política moderna, via em Cesare o ideal do príncipe renascentista e nele depositou sua esperança de unificação da Itália. O que a impediu foi a rivalidade entre as cidades-Estado e a política papal.
Cultos, humanistas, mundanos e ambiciosos ao extremo, os grandes papas renascentistas não eram suficientemente fortes para promover eles mesmos a unificação do país, mas eram fortes e ardilosos o bastante para impedir que outro o fizesse. Paradoxalmente, a pulverização da Itália representou um forte estímulo ao Renascimento. Em lugar de um único centro de atração, representado em outros países pela corte real, vários centros, como Florença, Roma, Veneza e Milão, disputavam e patrocinavam a cultura. Ter a sua volta um punhado de artistas e intelectuais brilhantes era prova de prestígio para os príncipes e papas da época.
Nos jardins do palácio Medici, Cosimo fundou em 1440 a Academia Platônica, copiada da famosa escola de Filosofia ao ar livre mantida por Platão em Atenas, no século IV a.C. Sob a direção de Marsilio Ficino (1433-1499), a Academia tornou-se durante o governo de Lorenzo o mais importante centro de irradiação cultural do Renascimento. Ajudado por um grupo de eruditos bizantinos, fugidos de Constantinopla após a ocupação da cidade pelos turcos, em 1453, Ficino realizou um imenso trabalho de tradução e comentário das obras de Platão e seus seguidores. A biblioteca da Academia reunia enorme coleção de manuscritos gregos.
A obsessão do homem culto renascentista por tudo que viesse da Antiguidade clássica greco-romana levou os historiadores dos séculos XVIII e XIX a uma imagem tão fácil quanto falsa do Renascimento. A Idade Média teria sido um período de completo esquecimento da herança cultural da Antiguidade. Rompendo radicalmente com o obscurantismo medieval, o Renascimento — daí o seu nome — seria o renascer da cultura clássica. Essa interpretação é amplamente contestada pela pesquisa histórica do século XX. Nem a Idade Média foi, em toda a sua duração, um período de trevas nem o Renascimento representou uma ruptura total com a Idade Média.
Quem leu o livro O nome da rosa, de Umberto Eco, ou assistiu ao filme baseado nele, teve uma brilhante amostra da veneração quase religiosa do sábio medieval pelo filósofo grego Aristóteles (384-322 a. C.). A obra de Aristóteles formava uma verdadeira enciclopédia do saber humano. Nela se encontrava de tudo: Matemática e Lógica, Física e Metafísica, Medicina e Astronomia, Ciências Naturais e Psicologia, Política, Ética e Estética. Embora se baseasse mais na especulação do que na observação direta da natureza, era para o mundo das coisas concretas que ela se voltava. A Igreja refutou muito em aceitar esse corpo de conhecimentos. Aristóteles teve que ser, de certa forma, cristianizado por filósofos como São Tomás de Aquino (1224-1274), antes que sua obra se transformasse numa segunda Bíblia da Idade Média.
Assim, o aristotelismo tornou-se, pouco a pouco, um congelado sistema de dogmas, verdades prontas e acabadas, em que havia um lugar para cada coisa. Cada coisa devia estar no seu lugar e nenhum espaço existia para a inovação — um espelho da organização social da época. Foi justamente contra esse sistema petrificado que o homem culto do Renascimento se rebelou, estimulado pelas formidáveis transformações materiais que o desenvolvimento burguês colocava diante de seus olhos. O platonismo da Academia florentina, altamente espiritual e místico, era antes de tudo uma reação ao aristotelismo na versão consagrada pela Igreja medieval.
Por outro lado, se admirava o passado clássico, o homem renascentista tinha também a consciência de que o estava ultrapassando. A febril exploração dos mares — que levou o português Bartolomeu Dias a atingir a ponta meridional da África (1487), o genovês Cristóvão Colombo a alcançar a América (1492), o português Vasco da Gama a chegar à Índia (1498) e também o português Fernão de Magalhães a circunavegar a Terra (1519-1522) — exerceu um tremendo impacto no Renascimento. Ficava claro que havia muito mais maravilhas no mundo do que haviam pensado os gregos.
O desenvolvimento das cidades na época renascentista ampliou o lugar ocupado pela cultura. Antes, o conhecimento estava confinado às raras universidades e aos mosteiros. Agora, a multiplicação das universidades, junto com a invenção da imprensa de tipos móveis pelo alemão Johannes Gutenberg  (1400-1468), permitia uma difusão muitíssimo maior do conhecimento. A laboriosa atividade do copista medieval, que reproduzia a mão os preciosos manuscritos gregos e latinos, era substituída com enorme vantagem pelo trabalho dos impressores.
Do ponto de vista cultural, um dos resultados mais espetaculares da Reforma protestante foi a tradução da Bíblia do latim para o alemão, por Martinho Lutero (1483-1546) e o amplo movimento de educação inspirado pela idéia de que todo fiel deveria ser capaz de ler e interpretar por conta própria as Escrituras Sagradas. No mundo da grande cultura, porém, o latim continuava a ser a língua oficial. Um dos traços mais característicos da época, aliás, era a existência de uma multinacional comunidade de eruditos que dominavam o saber clássico e não só se expressavam em latim como tinham seus próprios nomes latinizados.
Eles formavam o que o escritor húngaro Arthur Koestler (1905-1983) denominou a “República das Letras” e foram a própria alma do Renascimento. Para esses homens, a demolição do sistema escolástico representava uma enorme liberdade de pensamento, a possibilidade de uma especulação intelectual sem limites. A verdade já não devia ser procurada nos livros de Aristóteles, mas na grande obra da natureza. Ocorre que a destruição da ciência aristotélica deixou o Renascimento desprovido de uma ciência sistematizada. Os sábios da época estavam deslumbrados demais com a infinita variedade das coisas deste mundo para se dar ao árido trabalho de sistematização dos novos conhecimentos.
Eles procuravam por toda a parte a diversidade, lançavam-se à aventurosa exploração de mundos desconhecidos, criavam jardins botânicos e jardins zoológicos, colecionavam minerais, dissecavam cadáveres humanos e de animais, mediam o movimento dos astros, escreviam minuciosas descrições das mais diversas atividades profissionais e técnicas, mas seus tratados não ultrapassavam ainda o estágio dos catálogos. O alemão Leonhard Fuchs (1501-1566), por exemplo, escreveu e arrolou em ordem alfabética cerca de quinhentas plantas. Foi incapaz, porém, de formular qualquer teoria sobre a vida vegetal.
As exceções são o monumental livro de anatomia do belga André Vesálio (1514-1564), De humani corporis fabrica (A organização do corpo humano), e o livro de cosmologia do polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), De revolutionibus orbium coelestium (A revolução das esferas celestes). Nele, o cônego Copérnico afirmava, contrariando as teorias dominantes, que o Sol — e não a Terra — estava no centro do Cosmo. Antes, o alemão Nicolau de Cusa (1401-1464) já havia dito que o Sol era apenas o centro de um sistema, e não do Universo.
As idéias de Cusa influenciaram o filósofo italiano Giordano Bruno (1548-1600). Ele afirmava existirem no Universo infinitos mundos habitados, como a Terra. Mas nem Cusa nem Bruno eram astrônomos, e suas corajosas hipóteses permaneceram meras especulações. A grande sistematização científica na qual iria se basear o pensamento moderno foi um produto do século XVII. Mas aí já não se pode falar em Renascimento. No período renascentista, assistiu-se a um enorme interesse pela magia e pelo hermetismo. A idéia de um Renascimento banhado em ciência, em oposição a uma Idade Média mística e supersticiosa, é outro estereótipo que não resistiu à pesquisa histórica.
Um trabalho mais orientado para a ciência, embora dispersivo, como o de Leonardo da Vinci (1452-1519), permaneceu inédito. Para os homens cultos do Renascimento, já que Aristóteles não era mais a autoridade suprema, então tudo era possível. E foi com óculos de mágico que procuraram ler o livro da natureza. Quando, em 1460, um agente de Cosimo de Medici trouxe-lhe da Macedônia um manuscrito grego com catorze dos quinze tratados que constituíam o Corpus hermeticum, isso causou enorme sensação. O texto era atribuído a um autor mitológico, Hermes Trismegisto, ou Hermes “Três Vezes Grande”, síntese do deus egípcio Toth, inventor do cálculo e da escrita, e do deus grego Hermes, mensageiro e detentor dos segredos dos deuses.
Na verdade, tratava-se de um escrito dos primeiros séculos da era cristã, originário provavelmente de Alexandria, no Egito, o grande centro da cultura helenística. Com caráter misterioso, os manuscritos combinavam filosofia grega e helenística (Pitágoras, Platão, Aristóteles, Plotino etc. ), cabala (o misticismo judaico) e elementos cristãos. Seu corpo englobava Matemática e Alquimia, Astronomia e astrologia, magia e várias formas de ocultismo. A idéia central era a de uma afinidade mística entre o mundo e o homem, sendo este capaz de descobrir elementos divinos dentro de si.
Pela tradução de Ficino, o diretor da Academia Platônica, esses escritores exerceram enorme influência no Renascimento, mexendo com as artes, as ciências e a Filosofia. Seu principal herdeiro foi o suíço Paracelso. Ele pode ser considerado o mais acabado representante de um momento na História da civilização que, sem romper drasticamente com o passado, plantou uma semente de exuberância e ousadia da qual nasceria o mundo moderno.


Para saber mais:
Colombo: herói (ou vilão) do novo mundo?
(SUPER número 11, ano 5)
Michelangelo, o artista do cristianismo
(SUPER número 2, ano 6)

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Um tipo muito curioso.

O próprio nome latino que adotou já era um exagero: Theophrastus Philippus Aureolus Bombastus Paracelsus. Não se sabe se a palavra Paracelsus queria dizer “superior a Celsus”, o célebre médico romano do século I. Mas não há dúvida de que Theophrastus von Hohenheim, como foi batizado, se considerava superior a qualquer medalhão da Antiguidade. Esse personagem tipicamente renascentista nasceu numa família de médicos, em Einsiedeln, Suíça, em 1493. Depois de estudar nas universidades de Basiléia (Suíça) e Ferrara (Itália), tornou-se um Robin Hood da medicina, cobrando honorários exorbitantes dos ricos e tratando os pobres de graça.
Seu espírito anticonvencional e incansável curiosidade, aliás, surpreendem mesmo pelos padrões atuais. Condenava com estardalhaço as ciências tradicionais, ao mesmo tempo que procurava aprender com os camponeses outros métodos de cura. Bebedor de marca maior, vencia os camponeses em monumentais competições etílicas nas tabernas; depois, passava a noite ditando seus tratados.
O fato de ter salvado a vida do influente editor Johannes Froben e de ter curado também o escritor e filósofo humanista Erasmo de Rotterdam (1466-1536) assegurou-lhe, em 1527, o cargo de médico municipal e professor de Medicina em Basiléia. Logo, porém, entrou em atrito com as autoridades acadêmicas, recusando-se a apresentar seus documentos de qualificação, fazendo conferências em alemão em vez de latim e admitindo cirurgiões-barbeiros em suas classes. Com a morte do protetor Froben, teve de abandonar a cidade — não sem antes queimar em praça pública o célebre cânon de medicina do persa Avicena (980-1037). Daí para a frente, até sua morte, em 1541, perambulou de lugar em lugar, como uma espécie de cavaleiro andante do anticonvencionalismo.
Alquimista, ao lado dos “quatro elementos fundamentais” enunciados no pensamento grego clássico — terra, água, ar e fogo —, reconhecia “três princípios básicos” — sal, enxofre e mercúrio —, que estariam presentes, em diferentes proporções, em todas as substâncias. O sal, simbolizado pelas cinzas que sobrevivem ao fogo, seria responsável pelo estado sólido; o enxofre, que desaparece ao queimar, pela natureza inflamável das coisas; e o mercúrio, que se volatiliza, pelo estado líquido e gasoso. Uma força geradora universal, o arqueu, combinaria os três princípios. De uma falha dela se originariam as doenças. Paracelso é reconhecido como um dos precursores da homeopatia.
Fonte : http://super.abril.com.br/superarquivo/1988/conteudo_111063.shtml